MARIA HARO  

                            guitar

Y que Venga El Duende!

MINHA TAÇA TRANSBORDA

 

não sei se é o vinho

não sei se é Bach

não sei se é a morte de amigos

não sei se é o sentir a dor de amigos

doer dentro de mim

não sei se são as dores que causei

que causo

não sei se é o poema de Lorca

que inicia estas lágrimas

e esta apertada dor em mim

tem também

o canto profundo do navio

que pode ser uma saudação

mas mais parece um lamento

lamento da profunda solidão do mar

e seus seres vagando naquele infinito

não sei se é esse profundo amor por tudo

que é tão bom

e que também dói tanto pela dor dos outros

sei

ou imagino, ou sinto

o quanto dói

e sei também

que é passagem, aprendizado

mas que nem por isso deixa de doer neles

e em mim por eles...

agora Mozart

o que há em Mozart

que toca a alma do mundo?

e se entrega com tanto amor

e compartilha essa dor

e faz dela

esse amor que tudo abarca

e que a todos consola e irmana?

minha taça transborda

nossa alma

de todos nós

transborda sempre de amor

é só deixá-lo fluir

invadir

ele está lá

aqui

sempre

amor

 

Maria Haro
Rio,11/12 de janeiro de 2008

PARA SÉRGIO

 

só quero

só posso

tentar escrever deste sentimento por você

desta aceitação de ter você liberto de um corpo

que não te acompanhava mais

só posso

te agradecer por ter me deixado te acompanhar

nestes momentos de dor e libertação

nem posso falar da saudade que deixas

ainda não posso

posso é falar dessa amizade tão linda

desses encontros tão próximos nestes últimos anos

desse encanto e sorrisos que sempre aconteciam

das risadas e vinhos

do ouvirmos música juntos

de comermos e desfrutarmos disso juntos

de ouvir tuas frases de lembranças

lembranças de vivências

amigos

familia

de teu amor por Nova York

e de tuas andanças e encontros por lá

Sérgio

my dearest Neighbour

estás

estarás

sempre em meu coração

a saudade está só começando

mas tua liberdade brilha

como sempre brilhastes aqui na Terra.

 

Maria Haro

26/01/2023

 

PARA SÉRGIO II

 

esta é uma carta longa

não sei quando vai acabar

provavelmente nunca

teu violão chegou, fui na oficina buscar

o tampo que arrancastes e que depois fizestes novo

finalmente foi acoplado à base daquele violão Sérgio Abreu que comprei nos idos de 1980, talvez 7 ou 9, não lembro, o rótulo antigo se foi...

esse violão que foi um sonho, que consegui comprar graças a concertos, a um aporte de mamãe Maël que fez questão de te conhecer e perguntarte se eu tinha futuro... e também a Eládio Perez Gonzalez , que junto à sua amada esposa Lola me doaram o cachet completo de um concerto que fizemos

esse violão que emprestei a queridos alunos como Thadeu Maia e Marco Lima

um violão com uma história profunda – como todos os violões -

esse violão chegou hoje, na véspera de teu níver, essa véspera que começamos a comemorar desde que nos tornamos ‘Neighbours’ - acabei tentando com um vinhozinho a quem nunca gostou de comemorar aniversários...

esse violão me chegou hoje através das mãos de Crispim Vieira e Ricardo Dias, que colaram o tampo novo que tinhas feito - e aguardava esse momento em berço esplêndido...- e completaram  os acabamentos necessários para ele começar a cantar novamente

foi uma noite de muita emoção essa véspera de primeiro aniversário teu sem tua presença física

Vera de Andrade e Vicente Paschoal estavam conosco

escrevo esta carta no caderno das gravações do Duo Maia, a quem tanto sempre inspirastes

é redundante falar  de como inspiras os e as violonistas e luthiers, mas é fato

com teu jeito delicado e generoso, sábio e prático, sempre ajudastes a todas e todos que de ti se aproximaram

nesta madrugada já é dia 5 de junho de 2023, farias 75 anos

não tenho palavras para expressar essa saudade

tenho certezas

certeza de que estás na luz e na música eternas às quais sempre pertencestes

e nas quais, mesmo com toda tua clareza e vivência da luta pela sobrevivência,

sempre teu espírito e pensamento viveram

certeza my dear Neighbour

de que não consigo terminar esta carta – mensagem

só quero te dizer que sempre estarás em meu coração

e, tenho certeza, no coração de todas e todos @s que te conheceram

tua bondade, teu espírito alegre

teu amor pela música

tua arte como intérprete e arranjador

tua arte como luthier, criador de violões

além da saudade

me inspiram e - tenho mais uma certeza - a tantas e tantos como eu

nos deixam com essa vontade

de sermos melhores pessoas

de sermos música

agora tenho de volta meu Abreu

o som já está lindo e meu coração pulsa quando encosta nessa madeira

agora só posso dizer

gracias siempre por todo my dear

e mesmo que aches bobo

até a próxima carta my dear Neighbour

 

Maria Haro - your neighbour

Madrugada de 5 de junho de 2023

PRÁ VOCÊ

 

quero que meu coração

seja bom

seja simples

seja inteiro

com a pureza de todas as ruas,

veredas, camas e bares

com a infância de domingo de sol na praia

areia, ondas e conchas

quero que meu coração

volte inteiro prá você

com o sorriso cheio de sol do meio-dia

com o gosto da chuva no fim do dia

e com a lua cheia

banhando a vida.

 


Maria Haro
Rio, 28 de janeiro de 2007

 

 

VOCÊ DIZ QUE EU CHORO FÁCIL

 

Você diz que eu choro fácil
mas como não chorar de emoção
ao poder ouvir um Mestre
um artista humano
que se enredou a vida inteira
nessas seis cordas
e foi abrindo caminhos
para ele e para outros
e foi descobrindo o mundo graças a essa caixa de madeira
amarrada com seis cordas e com o coração?

Como não chorar
se está acontecendo essa maravilha
essa benção
esse teu estender a mão
tuas mãos para mim
e me permitir juntar
misturar o som de minhas cordas com as tuas?

Como não chorar
quando essa convivência me impulsiona
para uma entrega maior à música?
Como não chorar de agradecimento
à vida
à música
e ao violão
por me permitir voltar
me dar espaço e tempo
para me dedicar
após tantas separações
tantos abandonos desesperados
por não conseguir soar essas cordas
por pura falta de humildade e de fé?

E como não chorar de gratidão e alegria
por essa caixa de madeira amarrada com seis cordas
se por sua boca sai o som que é meu caminho e descoberta
que sempre me recebe com calor
com seu amado som respondendo-me
revelando-me a mim mesma
e ensinando-me a viver
e a amar?

É Turibio querido
quero sempre ter lágrimas para poder chorar assim!


Maria Haro
Rio, março-maio de 2013

 

PRÁ VOCÊ

 

quero que meu coração

seja bom

seja simples

seja inteiro

com a pureza de todas as ruas,

veredas, camas e bares

com a infância de domingo de sol na praia

areia, ondas e conchas

quero que meu coração

volte inteiro prá você

com o sorriso cheio de sol do meio-dia

com o gosto da chuva no fim do dia

e com a lua cheia

banhando a vida.

 

Maria Haro

Rio, janeiro de 2007